domingo, 31 de maio de 2015

Pais e filhos

Essa é a história de uma menina e seu pai. Vou contar essa história porque acompanhei o seu desenrolar durante toda minha vida, e assim, com a autorização da protagonista, sinto-me à vontade para compartilhá-la.
A relação dessa menina, Laura, com seu pai, nunca foi uma relação que se espera entre um pai e uma filha. Seus pais se separaram quando ela tinha apenas um ano de idade. Não foi uma separação amigável, e ficaram muitas mágoas e ressentimentos entre essas duas pessoas. O pai saiu de casa e construiu uma nova família. Laura nunca viu os pais juntos, em nenhuma ocasião, e de certa forma, a ausência desse pai foi algo comum para ela desde pequena. Além dessa ausência, Laura cresceu com a presença de uma frase que ouviu desde pequena, mas que não foi escutada diretamente através de seu pai. Ele havia dito certa vez que ela não era sua filha, logo no momento da separação. E de fato, por algum motivo, foi assim que, Laura e seu pai, conviveram durante anos, como se nada fossem.
Laura tinha muito claro que não sofria com a suposta rejeição do pai, mas sim, pelo seu irmão que tanto desejava a admiração e atenção dele. Mas ela, não. A vida havia compensado está ausência com dois outros pais, o avô e o padrasto, que cumpriram muito bem o papel.
No entanto, não poderíamos dizer que essa ausência foi completa na sua vida. Existiram alguns momentos com seu pai, mas no fundo, Laura sempre sentia uma frustração no final desses encontros. Nada era dito, ambos não manifestavam o sentimento de estranheza, falta de afinidade e intimidade que existia entre eles. E ela retornava para sua casa evitando pensar no assunto, pois talvez aquela situação pudesse causar muita dor.
Já com 30 anos, na ocasião do seu casamento, à pedido de sua mãe, telefonou para o seu pai avisando que iría se casar. Sería apenas um jantar, um casamento no cartório, para oficializar um relacionamento de oito anos. Mas para Laura não havia sido um convite ao seu pai, apenas um comunicado.
No dia seguinte, o pai ligou para Laura, e para sua surpresa desta vez comunicando que estaría presente no casamento. No entanto, mais surpreendente ainda, foi Laura dizer para seu pai que não gostaría que ele estivesse presente nesse dia.
Esse “não” na verdade foi um impulso de expressar seus sentimentos e de “quebrar”  aquela farsa de que tudo estava bem entre eles, uma tentativa de colocar um limite nas ações de seu pai em relação a ela, para que ele entendesse que as suas atitudes ou a falta delas haviam causado muita dor. Entretanto, também foi um “não” cheio de raiva e mágoa carregadas durante anos, e que ela acreditava dizer respeito apenas ao seu irmão. Mas então, junto com esse limite imposto, com esse pedido de respeito, ela despejou toda a sua dor de fatos que haviam acontecido durante sua vida, sem dizer o que realmente estava sentindo, apenas apontando todos os “erros” dele.
Apesar de ela estar segura da sua atitude ao não permitir que seu pai fosse ao seu casamento, um mau-estar surgiu em Laura após este desabafo. O que devería ter sido um momento para mostrar sua dor para o seu pai, para mostrar o quanto aquela criança havia sido maltratada, as palavras viraram-se contra ela. A mensagem de dor não alcançou o coração do seu pai, mas apenas a raiva.
A partir desse dia até hoje eles não se falaram mais. Laura tentou uma reaproximação, mas não obteve um retorno. Ela não sabe por qual motivo ele cortou definitivamente relações com ela depois desse dia, se pela mesma raiva que foi proferida contra ele, por vergonha, por indiferença, por mágoa... Ela sabe que finalmente conseguiu expressar algum sentimento, consciente ou inconsciente, de forma correta ou não. Mas acima de tudo ela percebeu que se quer mostrar a sua dor ao outro, e se quer ser compreendida, não será através de acusações que irá conseguir. Ela espera um dia voltar a falar com esse pai, não na esperança de encontrar um relacionamento de pai e filha, mas para que ambos sigam em paz os seus caminhos.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A Ferida e a Cura

O relato que farei aqui é sobre a primeira situação que veio à minha mente quando o tema de aula foi proposto. Na verdade, a lembrança deste acontecimento sempre aparece durante as aulas de vedanta, porque o sofrimento que veio com esse momento foi um impulsionador para a busca da compreensão de mim mesma.
Logo que concluí meu mestrado fui à procura de um emprego, pois estava em dúvida se quería continuar na vida acadêmica, pois havia me decepcionado pela forma como a pesquisa estava sendo conduzida não só na área que eu estudava como na ciência em geral. Então, coloquei meu currículo em um site de empregos e, para minha surpresa, fui contratada logo em seguida, em uma empresa que prestava serviço de consultoria e projetos ambientais.
A primeira semana de trabalho foi meio confusa, não sabia o que fazer, não recebia instruções, apenas um pouco de ajuda dos colegas. Meu chefe naquela ocasião, engenheiro civil, não dominava as questões da área biológica, e meus colegas também eram novatos no assunto.
Fui estimulada pelo meu chefe a enviar emails para uma das funcionárias do Ministério da Pesca e da Agricultura, um dos departamentos do governo nesse assunto, que era para quem estávamos prestando serviço.  Ele sugeriu que eu tentasse esclarecer as minhas dúvidas com o próprio contratante em relação aos relatórios que estávamos elaborando. E foi assim que comecei a trocar emails, fazer perguntas, sempre recebendo respostas gentis e sendo estimulada a continuar esse contato. Assim, na segunda semana de trabalho fui chamada para uma vídeo conferência com todos meus colegas e os contratantes.
Não entendi muito bem porque havia sido chamada para àquela reunião, mas fui empolgada com a ideia de que estava sendo inserida na empresa. Mas para minha surpresa não foi bem isso que aconteceu. O fato foi que a empresa contratante, nas palavras de duas funcionárias sendo uma delas a que eu mantinha contato por email, afirmou publicamente que eu era incompetente e não qualificada para exercer a função que eu estava encarregada.
O sentimento imediato que surgiu foi de vergonha, porque na verdade não estava entendendo muito bem o que estava acontecendo. Fiquei chocada por alguns instantes assistindo ser o tema de uma reunião da qual não fazia ideia sobre o que sería, nem quem eram todas aquelas pessoas. Quando eu vi todos constrangidos em volta de mim, inclusive os próprios funcionários do ministério, senti-me profundamente humilhada. Na verdade, na minha cabeça, o que estava acontecendo era a afirmação pública daquilo que sempre repeti e afirmei dentro de mim, ou seja, que eu não era boa nem capaz. Mas então, se eu já sabia de tudo aquilo por que me senti tão humilhada e surpresa?
Porque no fundo o que eu queria era ser admirada e valorizada pelas coisas que eu fazia. Eu tinha o desejo de que um dia as pessoas me mostrassem que não, que eu estava errada, que eu não era aquilo que eu pensava de mim mesma. Eu queria ser vista como boa e capaz.
Mas aquele reforço acabou potencializando aquele sentimento que eu tinha em relação às minhas capacidades, obviamente devido ao meu despreparo para encarar a vida. A minha mente extrapolou a informação recebida de que eu não era capacitada para àquela função específica, traduzindo como se eu não fosse capacitada para nada. E dessa forma fez com que eu decidisse não mais seguir na minha profissão. Claro que não foi só por isso que desisti da biologia, pois há muito tempo não me identificava mais com o mercado de trabalho na minha área. Foi apenas um empurrão para que isso acontecesse.
Por um bom tempo esse acontecimento foi negativo na minha vida. Não soube tirar o aprendizado que ele estava me proporcionando na época, só conseguia enxergar o reforço negativo em relação a mim mesma. Hoje eu entendo que aquela mensagem não havia sido diretamente para mim. O contratante estava insatisfeito com o serviço da empresa que eu trabalhava, viu em mim um ponto fraco para atingí-los; apenas isso.  De fato não estava preparada para exercer aquela função, mas não porque não era capaz. Tenho consciência que se eu tivesse sido orientada corretamente tería realizado um bom trabalho.  Mas essa experiência foi um grande aprendizado, servindo para que eu reavaliasse a maneira como algumas palavras e pré julgamentos podem afetar profundamente a vida de uma pessoa e de como os julgamentos e as visões distorcidas que tenho em relação a mim também podem ser devastadores. 

Leia também o texto de João Goulart publicado no vedantaonline.org 

sexta-feira, 15 de maio de 2015

O Encontro com Yoga e Vedanta

O primeiro contato que eu tive com o yoga foi aos 15 anos. Por algum motivo, não lembro exatamente qual, decidi que comer carne não me fazia bem. Talvez por que já tivesse nesta época uma ligação muito forte com os animais e com a natureza, razão pela qual vim a escolher cursar Ciências Biológicas. Sendo assim, fui à uma livraria procurar algum livro que mostrasse esse mundo desconhecido da cozinha vegetariana, e nele encontrei pela primeira vez algo que falava sobre yoga. No entanto, pelas estranhas razões da vida, apenas dois anos depois resolvi procurar algum lugar próximo à minha casa que oferecesse aulas de yoga.

Confesso que não lembro como foi essa primeira experiência, mas com certeza eu devo ter gostado pois continuei fazendo por mais seis meses. Nessa época estava vivendo aquele despertar do vazio interior que acomete quase todos nessa idade e que permanece pelo resto da vida para muitas pessoas. No meu caso não foi diferente. Retornei e saí do yoga muitas vezes durante os 15 anos seguintes, nunca me aprofundando muito na prática. Apesar desse vazio que enchia a minha vida de insatisfação, eu estava mergulhada demais nos meus traumas, nos problemas familiares, nos meus desejos e frustrações para enxergar um pouquinho além dos asanas e do bem-estar momentâneos que a prática me proporcionava. Nessa mesma época, um professor recomendou-me a leitura do livro “Autoperfeição com Hatha Yoga”, do professor Hermógenes, que apesar de ter servido de inspiração me fez pensar que talvez eu não estivesse preparada para tudo aquilo, e realmente não estava; eu precisava sofrer mais um pouquinho.

Aos 30 anos, já com 15 anos de mergulho profundo na ignorância de mim mesma e no sofrimento, descontente com trabalho, com relacionamentos, e com os mesmos questionamentos de sempre, decidi retomar as aulas de yoga. Talvez pela idade, pelas experiências e sofrimentos vividos, ou apenas porque era o momento, passei a enxergar a prática de outra maneira. As posturas já não eram tão importantes pra mim, apesar de sentir-me muito bem nas aulas. Mas tinha algo a mais que sentia que podia encontrar no yoga, pois sempre ao final das aulas surgia uma sensação de que todos os meus problemas estavam resolvidos, mas essa sensação sempre durava até eu atravessar a porta da escola. Então, meu professor na época, me chamou pra fazer a formação de professores. E lá, além do aprofundamento na filosofia, ouvi pela primeira vez sobre vedanta. Mas ainda não estava preparada para aquele conhecimento. O meu entendimento sobre aquilo foi muito raso, era o que eu podia naquele momento.

Fui fazer minha segunda formação com o Tales Nunes, por sentir que não havia compreendido a profundidade do conhecimento que eu estava tendo acesso. Aí sim foi meu contato mais profundo com o estudo. Nesse curso tive o primeiro despertar que me levaria a procurar o estudo de vedanta. Com o yoga fui aos poucos descobrindo que eu não era vítima do mundo, que eu era responsável pelas minhas ações e pela forma como sería tratada pela vida. Mas aí veio também o primeiro grande sofrimento nessa transformação. Sabendo disso, e agora, o que eu faço? Com muitas dúvidas, muitos questionamentos, muitos problemas pessoais, como eu conseguiria lidar com essa nova descoberta? Foi então que encontrei o site do Jonas e vi a oportunidade de resolver este problema.

Assim, achando que finalmente eu iría encontrar a compreensão de tudo, de que todos meus problemas estariam resolvidos porque finalmente eu teria acesso a este conhecimento...mais uma desilusão. Ao contrário do que imaginava, um turbilhão de novos sofrimentos, questionamentos, dúvidas vieram à tona. E isso é ruim? Quando se está no meio do furacão, sim! Mas quando passa a gente percebe que sobreviveu, que amadureceu um pouquinho mais, que está bem melhor do que antes, agradece por tudo que passou, e fica pronta para a próxima “enxurrada de realidade”. É um processo muito difícil, mas muito libertador, pois ao mesmo tempo que parece que tudo está ficando pior e mais confuso, vem a certeza cada vez maior de que tudo vai ficar bem. Então talvez este seja um sinal de que o caminho está só começando, mas indo na direção certa.

quinta-feira, 14 de maio de 2015