sexta-feira, 22 de maio de 2015

A Ferida e a Cura

O relato que farei aqui é sobre a primeira situação que veio à minha mente quando o tema de aula foi proposto. Na verdade, a lembrança deste acontecimento sempre aparece durante as aulas de vedanta, porque o sofrimento que veio com esse momento foi um impulsionador para a busca da compreensão de mim mesma.
Logo que concluí meu mestrado fui à procura de um emprego, pois estava em dúvida se quería continuar na vida acadêmica, pois havia me decepcionado pela forma como a pesquisa estava sendo conduzida não só na área que eu estudava como na ciência em geral. Então, coloquei meu currículo em um site de empregos e, para minha surpresa, fui contratada logo em seguida, em uma empresa que prestava serviço de consultoria e projetos ambientais.
A primeira semana de trabalho foi meio confusa, não sabia o que fazer, não recebia instruções, apenas um pouco de ajuda dos colegas. Meu chefe naquela ocasião, engenheiro civil, não dominava as questões da área biológica, e meus colegas também eram novatos no assunto.
Fui estimulada pelo meu chefe a enviar emails para uma das funcionárias do Ministério da Pesca e da Agricultura, um dos departamentos do governo nesse assunto, que era para quem estávamos prestando serviço.  Ele sugeriu que eu tentasse esclarecer as minhas dúvidas com o próprio contratante em relação aos relatórios que estávamos elaborando. E foi assim que comecei a trocar emails, fazer perguntas, sempre recebendo respostas gentis e sendo estimulada a continuar esse contato. Assim, na segunda semana de trabalho fui chamada para uma vídeo conferência com todos meus colegas e os contratantes.
Não entendi muito bem porque havia sido chamada para àquela reunião, mas fui empolgada com a ideia de que estava sendo inserida na empresa. Mas para minha surpresa não foi bem isso que aconteceu. O fato foi que a empresa contratante, nas palavras de duas funcionárias sendo uma delas a que eu mantinha contato por email, afirmou publicamente que eu era incompetente e não qualificada para exercer a função que eu estava encarregada.
O sentimento imediato que surgiu foi de vergonha, porque na verdade não estava entendendo muito bem o que estava acontecendo. Fiquei chocada por alguns instantes assistindo ser o tema de uma reunião da qual não fazia ideia sobre o que sería, nem quem eram todas aquelas pessoas. Quando eu vi todos constrangidos em volta de mim, inclusive os próprios funcionários do ministério, senti-me profundamente humilhada. Na verdade, na minha cabeça, o que estava acontecendo era a afirmação pública daquilo que sempre repeti e afirmei dentro de mim, ou seja, que eu não era boa nem capaz. Mas então, se eu já sabia de tudo aquilo por que me senti tão humilhada e surpresa?
Porque no fundo o que eu queria era ser admirada e valorizada pelas coisas que eu fazia. Eu tinha o desejo de que um dia as pessoas me mostrassem que não, que eu estava errada, que eu não era aquilo que eu pensava de mim mesma. Eu queria ser vista como boa e capaz.
Mas aquele reforço acabou potencializando aquele sentimento que eu tinha em relação às minhas capacidades, obviamente devido ao meu despreparo para encarar a vida. A minha mente extrapolou a informação recebida de que eu não era capacitada para àquela função específica, traduzindo como se eu não fosse capacitada para nada. E dessa forma fez com que eu decidisse não mais seguir na minha profissão. Claro que não foi só por isso que desisti da biologia, pois há muito tempo não me identificava mais com o mercado de trabalho na minha área. Foi apenas um empurrão para que isso acontecesse.
Por um bom tempo esse acontecimento foi negativo na minha vida. Não soube tirar o aprendizado que ele estava me proporcionando na época, só conseguia enxergar o reforço negativo em relação a mim mesma. Hoje eu entendo que aquela mensagem não havia sido diretamente para mim. O contratante estava insatisfeito com o serviço da empresa que eu trabalhava, viu em mim um ponto fraco para atingí-los; apenas isso.  De fato não estava preparada para exercer aquela função, mas não porque não era capaz. Tenho consciência que se eu tivesse sido orientada corretamente tería realizado um bom trabalho.  Mas essa experiência foi um grande aprendizado, servindo para que eu reavaliasse a maneira como algumas palavras e pré julgamentos podem afetar profundamente a vida de uma pessoa e de como os julgamentos e as visões distorcidas que tenho em relação a mim também podem ser devastadores. 

Leia também o texto de João Goulart publicado no vedantaonline.org 

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