segunda-feira, 29 de junho de 2015

Ainda sobre a Dor

Como um cavalo que
cego segue as rédeas
do seu condutor, sigo
ainda na ilusão

Guiada pela mente
vivo a dor de quem não sente
que a felicidade
não é separação

domingo, 21 de junho de 2015

Coragem

Desde adolescente sempre tive dificuldade no convívio social. Não porque não me adaptasse ou não conseguisse me relacionar com as pessoas, muito pelo contrário. Sempre tive bastante amigos, bom relacionamento com todos, sem muitos conflitos. Mas eu era muito tímida, e sempre achei muito difícil colocar limites nas pessoas. Além disso, também tinha uma sensação de que não pertencia a lugar nenhum, que não era aceita ou nunca agradava ninguém. Por isso, minha tendência, principalmente durante  minha adolescência, foi de isolamento, e faltava-me coragem para enfrentar essa dificuldade.
Sempre gostei de estar no meu quarto, ouvindo minhas músicas, lendo meus livros, vendo filmes, todas minhas diversões prediletas. Convivia com os amigos e família, mas o momento em que eu me sentia bem, livre de toda a pressão social, era quando eu estava sozinha, quieta, sem precisar ser ninguém mais, sem precisar ficar com medo de não agradar. Enfim, estar com as pessoas era ver nos outros o que eu pensava de mim mesma. Os outros apenas refletiam o que eu pensava de mim, por isso era tão difícil essa convivência.
Os anos se passaram, a vida adulta chegou, e fui “forçada” a assumir uma postura na qual não mostrasse muito essas minhas fragilidades e dificuldades sociais. Uma das técnicas que usei para vencer a timidez e o constrangimento na frente das pessoas era o bom humor, rir de mim mesma, escondendo assim, toda a vontade que na verdade eu tinha de não estar naquela interação. Mas o interessante é que, apesar de me sentir muito mais aliviada sozinha, isso não me completava. No fundo me sentia mal por não ter a capacidade de ficar bem diante das outras pessoas, porque eu gostava de estar com elas, o problema era como eu me sentia em relação a elas.
O primeiro grande desafio que eu me coloquei foi quando, na época do mestrado, um amigo pediu que eu recebesse uma amiga dele na minha casa por um tempo. Ela havia passado no mesmo programa de mestrado que o meu, e não tinha onde morar, pois era de outro Estado. Obviamente eu morava sozinha, e receber uma pessoa que eu não conhecia para morar comigo era impensável. Lembro que sofri por uma semana para dar a resposta, porque não queria que meu amigo ficasse chateado comigo, além de na verdade não ter nenhuma desculpa para não aceitar que ela ficasse na minha casa.
Acabei aceitando porque sabia que era o certo a fazer, eu sabia que devia ajudar a menina que vinha de tão longe. Assim, quando ela chegou, disse logo que para mim era difícil ter uma pessoa em casa, e que ela poderia ficar ali enquanto não encontrasse um lugar para ficar. Fiquei contando os dias para que ela arranjasse algum lugar, para que eu voltasse a minha vida normal sem ter que interagir com ninguém quando chegasse em casa. No entanto, esse teste forçado ao qual me coloquei, de aceitar alguém morando comigo, me proporcionou uma das maiores mudanças e aprendizados da minha vida, pois essa menina acabou se tornando uma das minhas melhores amigas, e me mostrou que eu não era tão difícil assim de conviver. Ela entendeu e respeitou minha dificuldade, e ainda por cima mudou minha forma de ver muitas coisas.  Dividimos apartamento por quatro anos, num convívio perfeito. Com essa amiga pude ser eu mesma, e para minha surpresa, continuamos sendo amigas depois disso e por causa disso.

Pode parecer simples para alguém que vê de fora, mas essa decisão foi um ato de coragem de enfrentar algo que me incomodava muito. Essa exposição à uma situação tão desagradável para mim, me fez enxergar muitas coisas que eu não percebia, mesmo com muitos sofrimentos nesse processo. Mas no final superei boa parte daquilo que me incomodava graças à coragem de enfrentar esse problema. Ainda hoje tenho um pouco dessa dificuldade, mas diferente de outras épocas, sei que posso enfrentá-las e superá-las. E principalmente, que a melhor forma de conseguir isso é através do convivío com o outro.

sábado, 13 de junho de 2015

Fé na Vida

Certa vez, conversando com um amigo, ele disse a seguinte frase pra mim: “ – Nossa, Bianca, você tem uma profunda falta de fé na vida.” Não lembro exatamente o conteúdo da conversa, mas aquela frase me deixou um pouco intrigada. Não porque não acreditasse nela, de fato acreditava, era totalmente possível dado todo o meu histórico de vida. Mas fiquei procurando como exatamente essa falta de fé no mundo se manifestava em mim. Tenho plena consciência, por experiência própria, que viver com essa falta de confiança no mundo traz muito sofrimento. Então fui fazer uma breve busca nos meus arquivos mentais que corroborassem com essa afirmação, e encontrei lá algumas lembranças.
Até pouco tempo atrás eu me considerava atéia, e com orgulho. No meio acadêmico, principalmente quando se está na pesquisa, é comum este tipo de posicionamento. Apesar de sempre ter me entregado fortemente à contemplação da natureza, nunca busquei o divino nessa beleza (sei que muitos irão achar impossível isso, mas de alguma forma funcionava pra mim). Nunca achei necessário acreditar em algo divino para agir de forma correta, pois vim de uma família onde apenas minha avó era católica, mas o restante não seguia nenhuma religião nem espiritualidade. Mas os valores éticos e morais estavam sempre presentes. 
Porém, senti o peso dessa falta de crença quando meu avô de repente foi parar no hospital muito mal devido à problemas renais, e fui chamada às pressas para me despedir dele. Nesse dia entrei em estado de choque. Eu não conseguía acreditar em vida após a morte da forma como os espíritas colocavam e não tinha um Deus pra pedir ajuda. Queria desesperadamente que ele vivesse, que algo acontecesse para ele melhorar, mas nada poderia me confortar naquele momento. Não tinha a quem recorrer. Eu não confiava nem acreditava em nenhuma ordem ou Deus que iria fazer o que fosse melhor. Então, uma das pessoas mais importantes da minha vida estava morrendo, e lembro bem de sentar na sala de espera do hospital e num ato de desespero mentalizar o rim do meu avô e pedir pra ele funcionar. Eu conversei com o rim do meu avô, e assim, sem saber, naquele momento estava me entregando a algo. Mas logo em seguida ele faleceu, e fiquei muito deprimida. Uns dias antes de falecer, quando ele acordou após ter sido internado, contou-me sobre a sua experiência de quase morte. Éramos muito confidentes, e sempre acreditei muito na lucidez dele. Ele relatou que viu sua vida toda passar na sua mente e estava muito emocionado, porque havia visto algo importante que não conseguiu em palavras me explicar. E eu acreditei nele.
No entanto, antes mesmo da morte do meu avô, sempre segui com esta visão de mundo, enfrentando as dificuldades da vida com esse peso a mais, acreditando que a vida era só sofrimento mesmo. Pode parecer horrível dizer isso, mas sempre a expectativa que tive da vida era na espera do pior. Era uma posição defensiva para alguém que não confiava na vida, porque se o pior acontecesse, a dor não sería tão grande, pois já era esperado. E se acontecesse algo bom, eu estaria no lucro. Então, pensando nisso, eu entendi a frase do meu amigo, pois isso sim é uma profunda falta de fé na vida. Não acreditar que existe uma ordem inteligente, que a vida tem um propósito além do sofrimento, do nascer e do morrer, e que não é possível encontrar um determinado equilíbrio dentro das dificuldades da vida é sofrimento na certa.
Precisei passar por muitas dores e experiências para entender isso. Pode parecer triste ou até deprimente imaginar que uma pessoa viveu assim por tanto tempo. Mas hoje não sinto tristeza em lembrar que eu pensava dessa forma. Se hoje acredito nessa ordem é porque ela me mostrou da maneira que eu precisava aprender, como as coisas funcionam. Se eu precisava de provas, recebi todas possíveis para entender que essa ordem existe e que não estou no controle de tudo. E que esse entendimento me alivia da culpa, do “vitimismo” e de muitas dores. Tenho muito caminho pela frente no aprofundamento desse entendimento, mas se estou aqui, escrevendo este texto, é porque a vida me mostrou que existe esse caminho, com suas dores, mas também muitas alegrias, com sofrimentos mas também com muitas libertações; mundano mas, acima de tudo, divino.

sábado, 6 de junho de 2015

O Dinheiro, Eu e A Espiritualidade

A questão do dinheiro sempre esteve muito presente em minha vida. A questão, não o dinheiro. Na verdade, a dificuldade em ganhá-lo que esteve sempre presente. Meu primeiro trabalho, aos 18 anos, como recepcionista, já apontava mais ou menos como sería minha vida profissional. Quinze dias de trabalho, doze horas por dia, e no final um cheque sem fundo. Numa outra ocasião, trabalhando como garçonete, também não recebi o dinheiro referente à um dia inteiro de trabalho. E por último, no meu primeiro emprego de carteira assinada, já nas primeiras duas semanas de trabalho descobri que meus colegas estavam com o salário quatro meses atrasado. Logo depois tive que abandonar esse emprego pelo mesmo motivo dos meus colegas. E assim, ocorreram outros casos semelhantes.

Penso que todos esses acontecimentos podem ter algumas explicações, dentre elas, uma profunda falta de sorte mesmo, mas, além disso, e talvez mais determinante, uma desvalorização da minha parte das minhas capacidades, quase como se eu dissesse para as pessoas que elas poderiam pagar o que quisessem e se quisessem, que estava tudo bem.

Não é preciso dizer como essa relação complicou quando comecei a dar aulas de yoga, pois agora, além da questão do trabalho existia essa conexão com a espiritualidade. E para ser sincera sempre tive a ideia de que espiritualidade e dinheiro eram incompatíveis, e que jamais poderiam existir juntos de forma coerente. E assim, ter que cobrar pelo meu trabalho, sendo este aulas de yoga, que estava intimamente ligada com espiritualidade sería um grande desafio e uma mudança de paradigma. E de fato foi. E continua sendo.

Mas a realidade é que por três anos essa foi minha única fonte de renda, junto com a massoterapia, e querendo ou não, era meu trabalho. Com as massagens me sentia um pouco melhor, mas até certo ponto, porque sempre acabava dando descontos porque na hora de cobrar sentia-me um pouco constrangida. Ou quem sabe era orgulho? Estranho não é? Mas algo me diz que talvez o orgulho tenha também muito a ver com minha dificuldade de cobrar pelo meu trabalho. A mente e suas complexidades.

No entanto, essa falta de valorização das minhas capacidades, do serviço que eu estava oferecendo, do meu tempo e da minha dedicação fizeram com que várias situações de desrespeito surgissem. Muitos alunos não pagavam as mensalidades no dia, quando faltavam às aulas e não tinham tempo para recuperá-las achavam natural pedir o dinheiro de volta. Enquanto outros faziam duas aulas e depois sumiam sem pagar. E isso foi se repetindo muitas vezes.

Confesso que a reflexão sobre minha relação com o trabalho e o dinheiro é muito recente. Espiritualidade e dinheiro mais ainda. No entanto, hoje em dia, tenho clareza que o conceito que eu tinha sobre essa relação era baseado em pensamentos ultrapassados e tempos antigos, que nada têm a ver com a realidade atual. Porém, a minha postura no que diz respeito a mim, o dinheiro e a espiritualidade ainda não está bem resolvida. Sei que esta mudança de atitude é importante e necessária para o meu crescimento, e que se refere não só à minha valorização como profissional, mas ao encontro do meu papel nesse mundo, do entendimento e da aceitação desse papel, seja ele qual for. Não é fácil, mas creio que já estou bem mais preparada para ultrapassar mais esta barreira.